FIVELA OU PAUXIARA?

Neste artigo, o autor analisa de forma muito interessante e sob o olhar da História, a genealogia do obidense, se Pauxiara ou Fivela? leia e obtenha sua conclusão... será?

FIVELA OU PAUXIARA?

Tenho, porém, sobre essa alcunha gentílica, a quase certeza que ela nos veio ainda de uma tradição de luta(…)” (BRANDÃO, 1997 p.58

Por M. Lino

A internet é o veículo de comunicação mais democrático que existe. Dessa forma o cidadão pode expressar opinião referente aos mais diversos assuntos. Vou aqui expressar minha opinião. Me desculpem aqueles que tomam informações históricas como verdades absolutas, pois é curiosa a razão pela qual muitos obidenses fazem questão de serem conhecidos como “pauxiaras”. Seria talvez uma tentativa de justificar raízes indígenas? Analisemos o caso.

Na excelente obra “Quando o Amazonas corria para o Pacífico: Uma história desconhecida da Amazônia” de Evaristo Eduardo de Miranda, ficamos sabendo que em relação ao nome Óbidos “A palavra vem do termo latim “oppidum”, significando cidadela ou cidade fortificada” (MIRANDA, 2007, p.235). Logo adiante, em um quadro de criteriosa imparcialidade, verificamos uma ponderada afirmação quanto aos primórdios de Óbidos: “A cidade teve origem numa fortificação erguida pelos portugueses em 1697, o Forte Pauxis. Em frente à cidade, as margens do Rio tornam-se mais estreitas e com isso o leito mais profundo, formando uma garganta no Rio Amazonas (chamada localmente de fivela do rio)” (idem, p.235). Ora, uma explicação interessante quanto ao significado da alcunha “fivela”. E notem, caros leitores, o autor nos afirmando que a cidade teve origem a partir de uma “fortificação” e não de uma “aldeia”. Vejamos mais.

Fonte: Autor desconhecido

O mesmo MIRANDA, na referida obra, reconstrói a jornada épica de Pedro Teixeira na região.  No capítulo  denominado “A saga e a senda naval de Pedro Teixeira”, o autor relata os serviços que o capitão prestou à coroa portuguesa em uma viagem de reconhecimento e posse das terras do vale amazônico no ano de 1637, quando percorreu o rio Amazonas da foz até o território do Peru. Sobre a referida viagem, quem nos informa mais a esse respeito é Anete Costa Ferreira em seu livro “A Expedição de Pedro Teixeira” onde encontramos a RELAZION DEL GENERAL PEDRO TEJEIRA DE EL RIO DE LAS AMAZONAS PARA EL PRESIDENTE (do Peru) – visto que até o ano de 1640 Portugal esteve sob domínio da Espanha. Sobre a foz do rio Tapajós a “Relazion” é bem clara ao referir que “los tapazos estan situados em la voca de un gran rrio (…) afirman algunos naturales, tendrá este pueblo, de quinze mil vesinos para arriba el rrio muchisimos(…)” (p.80). Sem dúvida, tratava-se de uma grande nação indígena. Por esse motivo o santareno que se denomina “Tupaiú” tem muita razão para isso, pois onde hoje está a “Pérola do Tapajós”, (de acordo com esses relatos, e inúmeras outras pesquisas arqueológicas) existia uma grande aldeia secular.

Ao descrever o estreito do rio, onde viria a assentar-se Óbidos, o retrato é diferente, visto que não menciona a presença de indígenas: “(..) caminamos al oeste, como ôchentas Leguas, siendo el rrio siempre a dos Leguas, y dos y media de ancho, âsta uma ângustura, que no tiene mas de un qurto de Legua, mas, tanto fondo, que ôchentas braças no se pude tomar em él canal, tiene lindas playas para fortalezas y defensa de el rrio, yn lindos puestos pegadito â tierra y âunque esto es desplobado sobre el âgua de uma parte, e otra, luego zercano, es el gentio tanto como en las de mas partes(…)” (p.80). Reflitamos mais um pouco: a presença de índios não é notada na garganta do Amazonas, de um lado e outro do rio, somente “a cima” desse lugar é mencionado a existência do indígena. E esse “a cima” é impreciso quanto ao distanciamento.

Estas descrições me parecem suficientes. Acredito ser incoerente a tentativa em forjar uma origem puramente indígena para os obidenses, muitas vezes baseada em afirmações imprecisas de textos históricos. Já li muitos livros que tentam mostrar, romanticamente, a origem de Óbidos a partir de uma aldeia de índios, textos ficcionais, literários. Em minha opinião, trata-se da interpretação de dados históricos a partir de um ponto de vista, e que deve ser respeitado, menos aceito como inquestionável. E muitas mistificações surgem por conta da busca em criar uma origem a partir de uma “raça pura”, o que não é possível.

A antropóloga Lourdes Furtado, atualmente uma das maiores autoridades no assunto, no seu livro “Pescadores do rio Amazonas”, ensina sobre a região que “A dominação portuguesa e sua política se faz sentir mais efetivamente a partir do século XVII, logo após a fundação da Feliz Lusitânia ou Santa Maria de Belém do Grão-Pará, em 1616. A partir daí o povoamento da região marginal à calha amazônica, teve seu embrião” ( FURTADO, 1993, p.92).

Em 1697, Manoel da Mota Siqueira mandou construir um forte na parte mais estreita do rio.  “Foi nessa fase que os frades Capuchos que exerciam a catequese na Província N. Sra. da Piedade, para aproveitar a nova fortificação transferiram-se para o lugar juntamente com os índios do rio Trombetas, formando uma aldeia depois denominada Aldeia dos Pauxis de onde proveio o nome do forte” (LOUREIRO, 1987, p.44). Novamente Lourdes Furtado assinala que “Em 1697, dois frades foram organizar o aldeamento dos Pauxis com grupos de índios que foram “descidos” para aumentar o povoado nascente à sombra do Forte do mesmo nome” (idem p.94). Influenciado pela política portuguesa, cujo plano era a partir de um punhado de tapiris criar vilas e cidades, a fim de assegurar o domínio luso, a “aldeia dos Pauxis” foi inventada com índios trazidos dos rios Trombetas, Nhamundá e Curuá. A autora ressalta que uma das finalidades da transferência desses índios era “(…) para adensar a população que se nucleava em torno do Forte homônimo” (idem, p.94). Os descimentos arregimentaram índios para, diga-se a verdade, prestarem serviços aos colonizadores, servirem mesmo de lambaios. Pois, “A escassez de mão-de-obra para trabalhos produtivos e domésticos era notória na Amazônia, desde os tempos iniciais da colonização. O índio foi por isso arregimentado; tornou-se remador forçado, pescador do homem branco, lavrador, serviçal e até soldado de infantaria” (SANTOS, 1980 p.61). Nos trechos mencionados anteriormente as expressões “aumentar” e “adensar a população” revelam claramente a intenção dos colonizadores em relação aos indígenas, e falam por si mesmo. Quando em 1758 o lugar foi elevado à categoria de vila, não passava de um aglomerado de palhoças. Na primeira oportunidade que tiveram para retirarem-se do lugar, os índios o fizeram, uma das causas é mostrada no livro “Terra Pauxí” de Francisco Manoel Brandão, que nos revela “Sobre o homem PAUXí diz-se não ter sido proveitosa a proteção leiga que sucedeu as Missões religiosas. Entrando em choques e desavenças com os PAUXÍ, os novos pacificadores levaram-nos à deserção a ao abandono total das aldeias, das colônias próximas à Vila, ao meio civilizado” (p.54). Abandonaram, pois ali não era seu lugar de origem, pois tal índio foi transferido de lugares diversos para ali servir como escravo. Na primeira de copas que tiveram, fugiram. Tanto é verdade que o conceituado cientista inglês Henry Bates que passou onze anos de sua vida na região, entre 1848 e 1859, em sua visita à Óbidos, registrou em seu livro “O Naturalista no Rio Amazonas” a pouca presença de índios no lugar: “É uma das cidades mais aprazíveis da beira do rio. Os habitantes, pelo menos na época da minha primeira visita, eram gente ingênua, cortês e sociável. (…) Raramente se vê uma choupana coberta de palha, pois poucos índios moram por ali, agora (…) as classes mais elevadas da população são compostas de famílias brancas tradicionais, que mostram entretanto em alguns casos, traços de sangue índio e negro em seus descendentes (…)” (BATES, 1979, 102-103). Apenas alguns cidadãos demonstram haver ocorrido a mestiçagem no âmbito da sociedade obidense.

Fonte das Imagens: https://img.socioambiental.org/v/publico/

Obs. Como não encontramos imagens de Índios Pauxi, estão ai Índios Tiriyó

O progresso chegou na região no século XVIII, com a introdução da cultura de cacau nas regiões de várzea. Após a valorização do cacau, o município se transformou num dos maiores produtores da região. Por isso, “Até o fim do período monárquico Óbidos chegou a experimentar um progresso notável” (FURTADO, p.116). No século XIX, principalmente, chegaram milhares de imigrantes portugueses para trabalhar nas lavouras. Entre esses imigrantes estavam os meus antepassados. No entanto, a imigração começara muito antes. Sobre esse tema, Álvaro Teixeira Soares (1983, p.175) nos informa que ao fundar a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em 1755, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, favoreceu o translado de famílias dos Açores para as cidades que ia fundando na bacia amazônica. De acordo com o autor, os Açores foram os viveiros da colonização amazônica.

O erudito escritor Francisco Manoel Brandão em sua estilosa obra “Terra Pauxi” menciona o epiteto “fivela” e diz “Tenho, porém, sobre essa alcunha gentílica, a quase certeza que ela nos veio ainda de uma tradição de luta(…)” (p.58), relacionado ao espírito de bravura dos obidenses. Para mim, fivela combina mais com o perfil daqueles que impuseram com pulso firme a presença no lugar. onde hoje é Óbidos.

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1 Comentário

  1. Junil Ribeiro disse:

    Muito informativo. Mas ainda não li nessas crônicas que Pauxi, significa Mutum. Então o Lago Pauxis, é o Lago dos Mutuns. E o termo “Pauxiuara” e não pauxiara como insistem, é o gentílico que denomina: Filho da Terra dos Mutuns. Fivelas, Filhos da Terra dos Pauxis.